Mas, o que significa ser realmente alfabetizado? Posso dizer que é mais do que a simples decodificação de letras; envolve o letramento, que é a capacidade de usar a leitura e a escrita em diferentes contextos sociais. Por alfabetização compreendemos o processo de aprender a ler, escrever e compreender textos, desenvolvendo a capacidade de interagir com o mundo e a sociedade de forma crítica e participativa, desenvolvendo habilidades cognitivas e sociais que permitem o acesso a novos conhecimentos e a participação plena na vida pública e profissional.
Contudo, o Brasil convive, há décadas, com o desafio da educação básica. O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, mostrou em 2024 que 29% da população entre 15 e 64 anos, o que significa que quase um terço dos brasileiros, não possuem plena competência para compreender textos mais elaborados ou realizar operações matemáticas básicas, mesmo após ter frequentado a escola. Esse fenômeno revela uma contradição profunda. O país se orgulha, muitas vezes, do aumento das taxas de escolarização e da expansão do acesso ao ensino superior. Porém, por trás das estatísticas, esconde-se uma realidade incômoda: a de que grande parte dos alunos conclui etapas escolares sem dominar plenamente habilidades de leitura, escrita e interpretação de mundo. O problema é grave, pois não se trata apenas de uma deficiência técnica, mas de uma limitação que impacta a cidadania, a inserção no mercado de trabalho e a própria democracia.
Esse analfabetismo funcional se manifesta de maneiras sutis, mas devastadoras. Ele está presente na dificuldade de interpretar enunciados no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), em respostas superficiais nas redações de vestibulares, no desempenho abaixo do esperado em avaliações internacionais como o PISA (Programme for International Student Assessment), em interpretar questões simples no próprio cotidiano escolar. Nesse aspecto, aparece em sala de aula quando estudantes revelam desinteresse, apatia ou dificuldade de articular ideias. Fora da escola, reflete-se no mundo do trabalho, em jovens que não conseguem compreender instruções, elaborar relatórios ou argumentar de maneira consistente. Por exemplo, um jovem pode ser capaz de ler a frase “promoção válida até dia 15 de setembro”, mas não compreender o que significa “válida até” ou mesmo relacionar a data ao prazo que lhe resta. Do mesmo modo, pode conseguir calcular um troco básico, mas se houver valores “quebrados” não consegue organizar o cálculo. Conforme o Inaf, dos 29%, 7% são de analfabetos absolutos e 22% em nível rudimentar, ou seja, pessoas que até leem palavras e frases simples, mas não compreendem textos maiores ou não conseguem resolver problemas matemáticos básicos.
Essa realidade é particularmente alarmante porque não se limita a adultos sem escolaridade. Pelo contrário: atinge inclusive aqueles que completaram o ensino médio e até o ensino superior. Segundo o levantamento, 17% dos que concluíram o ensino médio e 12% dos que possuem diploma universitário são analfabetos funcionais. Isso mostra que frequentar a escola não é garantia de aprendizado significativo. Mais preocupante ainda é o avanço do problema entre os jovens. O Inaf apontou que, na faixa de 15 a 29 anos, a taxa de analfabetismo funcional passou de 14% em 2018 para 16% em 2024. Em vez de recuar, como seria esperado em um país que expandiu tanto a escolarização, o problema intensificou.
Quem convive no cotidiano escolar sabe que o analfabetismo funcional não é apenas um número em relatórios. Ele aparece de maneira clara nas atitudes de alunos em sala de aula. Professores relatam, com frequência, que estudantes do ensino médio apresentam dificuldade para compreender textos simples, responder a questões dissertativas ou organizar ideias em um parágrafo coerente. Há muitos relatos acerca de alunos que mal terminam a leitura de um enunciado ou de um texto maior e já não sabem o que acabaram de ler. E não é por falta de esforço dos professores, pois os materiais e as formações ofertadas pela Secretaria de Educação do Paraná, em todos os componentes curriculares, são elaborados para levar os alunos a pensar, a interpretar, a compreender o que leem de forma crítica. O foco é na melhoria da capacidade de interpretação.
Ademais, se os impactos já são graves na escola, no mercado de trabalho o analfabetismo funcional se torna ainda mais cruel. Empresas relatam dificuldade em contratar jovens que, embora tenham diplomas, não conseguem compreender manuais, elaborar relatórios simples ou participar de reuniões de forma produtiva. A modernização tecnológica intensifica esse cenário. Hoje, mesmo funções operacionais exigem o uso de softwares, leitura de telas, preenchimento de planilhas, interpretação de indicadores. O trabalhador que não domina essas habilidades é excluído ou permanece em posições de baixa remuneração. Percebemos, então, que o analfabetismo funcional atua como um filtro social, mantendo privilégios e dificultando a mobilidade.
Par concluir, o analfabetismo funcional não será superado apenas com mais aulas de português ou matemática. Enfrentar o analfabetismo funcional exige mais e a responsabilidade não pode recair exclusivamente sobre esses profissionais. É preciso promover campanhas de incentivo à leitura, criar ambientes acessíveis, valorizar a literatura nacional, fomentar clubes de leitura, projetos de escrita criativa, rodas de conversa. Somente quando a leitura deixar de ser vista como obrigação escolar e se tornar parte do cotidiano, será possível reduzir significativamente o analfabetismo funcional. O combate a esse mal é também uma luta pela democracia. Afinal, cidadãos incapazes de interpretar textos são mais vulneráveis à manipulação, às fake news, à exclusão social.
Diego Argenta, professor de Língua Portuguesa e Oratória. Pós-graduado em Comunicação e Oratória; Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura; Neuropsicopedagogia e Letras e Artes. Mestre de Cerimônias com mais de 20 anos de experiência. Formando em Jornalismo e Sociologia. E-mail: diegoargentavox@gmail.com. Instagram: @diegoargenta.mc.
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