A escetamina é um derivado da cetamina, um anestésico que foi desenvolvido em 1962, a partir de outro anestésico, a fenciclidina, esta sintetizada em 1956. Tanto a fenciclidina como a cetamina tem potencial de abuso.
A partir do início dos anos 2000, vários estudos surgiram evidenciando o potencial antidepressivo da cetamina. Nessa onda, a indústria farmacêutica Janssen trabalhou num projeto de um derivado da cetamina, a escetamina, que é o enantiômero S da cetamina racêmica, e inaugurou um novo mecanismo de ação, pela via glutamatérgica.
Por muitas décadas, desde o lançamento dos primeiros antidepressivos nos anos 1950, só havia dois mecanismos de ação antidepressivo: inibir a degradação de monoaminas (serotonina, noradrenalina e dopamina) ou impedir a recaptação dessas substâncias. Em 2009, foi lançado o Valdoxan (agomelatina), que age nos receptores de melatonina. O Spravato, portanto, inaugura o quarto mecanismo de ação, que se mostra muito promissor no controle da depressão. A escetamina é um antagonista seletivo e não competitivo de receptores glutamatérgicos do tipo NMDA, que promove um aumento transitório na liberação do glutamato. Isso causa o aumento na estimulação de outro tipo de receptor glutamatérgico, o receptor AMPA, que quando estimulado aumenta a sinalização neurotrófica (via BDNF) que restaura a função sináptica das regiões cerebrais envolvidas na depressão.
A importância da via glutamatérgica vem ao mesmo tempo em que se discute a relevância do envolvimento do déficit de serotonina na depressão. Por muitos anos, postulou-se que uma pessoa deprimia por apresentar baixos níveis de serotonina (e, em alguns casos, de noradrenalina e de dopamina). Todos os antidepressivos clássicos aumentam a quantidade das monoaminas (seja pela inibição da metabolização, seja pela inibição da recaptação). A agomelatina foi revolucionária, à sua época, por inaugurar o terceiro mecanismo de ação para os antidepressivos. E é justamente isso que faz do Spravato a nova vedete da Psiquiatria, pois ele inicia uma nova era da terapêutica antidepressiva, a geração 4.0.
Há duas indicações de bula para o Spravato. A primeira é para depressão resistente ao tratamento, quando dois antidepressivos de classes diferentes falharam com dose e duração adequadas num mesmo episódio depressivo. A segunda indicação é para ideação suicida, em combinação com o antidepressivo oral.
A administração do medicamento é pelo próprio paciente, mas de forma assistida por um profissional de saúde. É comum alguns pacientes apresentarem dissociação, um efeito adverso que leva a uma percepção distorcida do tempo e do espaço, mudança das sensações de visão e som etc. O paciente relata sentir-se desconectado do próprio corpo. Mas esse efeito é transitório e o paciente se recupera em poucos minutos.
O maior problema do medicamento é o custo. Um frasco de Spravato 28 mg (dose única) custa R$ 3.229,00, sendo que o tratamento para seis meses pode ficar em torno de R$ 300.000,00, valor proibitivo para a maioria esmagadora da população.
Para quem não suporta esse custo, há outras alternativas. O lítio é um medicamento que pode reduzir o risco de suicídio, porém não de forma rápida. A eletroconvulsoterapia é outra técnica utilizada e é considerada o padrão-ouro no manejo de pacientes com ideação e comportamento suicidas. E a própria cetamina, pela via injetável, pode ser usada. Há psiquiatras que trabalham em parceria com anestesistas em um protocolo de cetamina.
E fique atento se você estiver precisando de ajuda. Vá até uma Unidade Básica de Saúde ou procure o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS (3262-2781). Para situações de emergência, contate o SAMU (192) ou vá até a UPA. Se estiver precisando de apoio emocional, ligue para o Centro de Valorização da Vida – CVV (188).
Rodrigo Batista de Almeida
Professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR).